Boca seca. De olhos fechados procura por líquido. Encontra a primeira garrafa. Sabe que não deve, mas prova. Sente o veneno rasgando a sede. Os olhos mudam, atingem, transformam-na. Não é mais a mesma, e sabe que nenhum passeio será igual. Garrafa bonita, das cores que ela pintou, diferente das costumeiras. Sede. Não embriaga, só instiga e instiga. Licor da verdade, nada doce, pouco amargo, é natural, é ela, é irônico. O gosto que queria provar, o gosto que procurava, interessante. Pra descrever o sabor não combina palavras, apenas mira, o líquido entende. Acontece. Na rua, no lixo, no segredo. No segredo confiável, no escape. Ela aprende que dentro da garrafa existe o veneno que não mata e faz bem.E ela vai lá.
Chove aquela chuva fina que todos detestam. Não tem problema. Abre a boca para o céu à procura de outro gosto. É doce. Sorri com sinceridade, gosta da água que cai. Esse gosto não está em garrafa nenhuma, mas não se encontra sempre quando quer, é quando menos se espera, como da primeira vez. Tem o gosto que ela quis provar aos 12 anos. Demora pra encontrar algo que o descreva. É o gosto que a divide, é o gosto que a preocupa. Este sabor paralisa. É um sabor lento, calmo, poético. Poético. Neste, não houve sede. É um sabor que te convence a ficar, te convence a esperar, mesmo sem sol. É sabor cinza, com gosto de tempestade, tempestade da cor dos olhos.
Limpo. Seu primeiro contato com o líquido transparente, verdadeiro. É equilíbrio. O mesmo poço, a mesma busca. É o líquido que cativa e tem medo de abandonar. Ela sabe, ele pode sumir, o poço pode secar. Mesmo sem chuva ela o rega. Não veio em garrafa, nem veio do céu, veio da busca. É poço, é chão, é realidade, é certo. Não do jeito que imaginou, mas concreto. É o gosto que sente pouco todos os dias e tem desejo de se prolongar. É um gosto diferente. O sabor que lutou pra ter. Alimenta, supre, compreende o paladar. Não há sede, mas está sempre ali, pra ser provado quando quiser. É como chão do mar, é o líquido que segue seus pés. Ela os segue também.